Introdução
Os primeiros selos postais portugueses foram emitidos em 1 de Julho de 1853 e, desde então, volvidos mais de 150 anos, foram manuseados por muitos filatelistas e minuciosamente observados e estudados por pioneiros do coleccionismo especializado. Nos dias que correm, seria pois improvável a descoberta de novidades de monta no campo da filatelia clássica. Porém, de tempos a tempos, ficamos boquiabertos com algumas descobertas. É o caso da singela peça que se reproduz.
Elvas (21.7.1874) -> Lisboa (22.7.1874)
Não obstante os meritórios trabalhos de insignes e incontornáveis figuras da nossa filatelia, as sucessivas edições do catálogo especializado vêm introduzindo timidamente pequenas actualizações na área técnica – refiro-me apenas a esta, pois a das cotações não cabe no âmbito deste artigo e que, no meu ponto de vista, exigiria uma séria reflexão e reclamaria alterações urgentes. Para o filatelista, mormente o especializado, estas variedades, a par daquelas que são levadas à estampa e observadas em exposições assim como todas aquelas que são dadas a conhecer e debatidas em tertúlias nos clubes ou no ciberespaço, ou ainda, resultado das nossas próprias descobertas, funcionam como um tónico contra o marasmo, obrigando-nos a redobrada atenção e a remexer as nossas colecções.
Assim, na prática, o catálogo é (ou deveria ser) o veículo natural e o manual de consulta indispensável a todo o coleccionador, iniciado ou avançado, que nele vai procurar as informações necessárias para a correcta identificação e classificação dos seus selos. Todavia, caberá a nós filatelistas alterarmos posturas – até para que possamos reivindicar melhorias – partilhando as novas descobertas para que estas possam vir a ser registadas para todo o sempre nos catálogos, acessível e ao serviço de todos os amantes desta fantástica modalidade. Ao fazê-lo, estaremos a dar um forte e decisivo contributo para o conhecimento, amplitude e prestígio da filatelia e história postal portuguesa.
Certificado de peritagem
Pormenor do parecer
Um "fita direita" impresso em papel costelado e perfuração na medida 14... – Quem diria, hein!?
Fiquei admiradíssimo quando em meados de Junho do corrente ano detectei esta estranha combinação de papel/denteado. Embora singular, a peça não me oferecia muitas dúvidas. O facto de estar sobre suporte circulado e sem o mínimo indício de mão habilidosa conferia-lhe plena credibilidade. Ainda assim, decidi partilhar a descoberta no fórum Selos-Postais e aguardei as opiniões dos seus membros, alguns deles, conhecedores desta área. As opiniões divergiram entre aqueles que se pronunciaram: uns rejeitaram-na, outros mostraram-se cautelosos, e outros ainda, concederam-me o benefício da dúvida e endereçaram-me os parabéns.
Surpreso fiquei novamente quando um amigo (também membro do fórum) me informou que possuía um selo solto, com estas características, da taxa de 100 réis, certificado pelo INEXFIP.
(cortesia de A. Abrantes Correia)
Parecer da peritagem
Indispensáveis são as consultas às "bíblias" dos saudosos Eng. Armando Vieira e Prof. Oliveira Marques. Também, um arrolamento de peças franqueadas com "denteados 14" e "papéis costelados" assim como respectivas datas de circulação. Cruzada e processada toda a informação, limito-me a reproduzi-la sumariamente e, com as devidas reservas, aventuro-me a tecer algumas considerações.
Papel Costelado
O papel costelado é, basicamente, um papel liso que foi comprimido entre dois cilindros. Um deles estriado com rectilíneas paralelas, transmitindo-as a uma das superfícies do papel. Estes sulcos são homogéneos e dispostos sempre na horizontal, embora mais ou menos pronunciados. Em alguns exemplares são quase imperceptíveis a olho nu, sendo necessário observá-los com luz rasante à superfície do selo com o auxílio de uma boa lente para os detectar, notando-se melhor nas margens do selo, i.e., áreas não impressas e não calcadas pelos relevos do cunho de serviço. No momento da impressão as folhas foram introduzidas sem se ter em atenção a face lisa ou canelada. Por isso, existem selos com o costelado na frente e no verso. Exceptuando a segunda vaga de taxas na primeira emissão dos “fita direita” (15, 150 e 300 réis), o papel costelado é conhecido nas restantes taxas desta emissão. Não há documentação oficial que comprove o início ou fim da utilização deste papel. À escassez de peças circuladas juntam-se-lhe o facto da ausência de datas nas obliterações da época (carimbos de barras) nos selos soltos e a dificuldade em os detectar sobre carta quando o raiado se encontra no verso.
Segundo John Norris Marsden, o papel costelado surgiu em 1870 ou 1871. Na obra de Oliveira Marques, este pequeno trecho indicia essa possibilidade:
"Houve é certo, uma mudança de papel em Março de 1871: com efeito, o fiel dos armazéns, Augusto César Jorge, dirigindo-se ao Director da Casa da Moeda em 7 de Março, comunicava-lhe ter nessa data saído do armazém a primeira remessa de estampilhas feitas no novo papel."
Por seu lado, Armando Vieira viu, da taxa de 25 réis, peças circuladas entre 6 de Julho de 1872 e 21 de Março de 1875. Na minha colecção não encontrei peças que extravasassem essas datas limite.
Lisboa (26.10.1872) -> Figueira da Foz
Carta remetida de Lisboa para a Figueira da Foz, franquiada com três selos
de 25 réis (CE 40), todos eles do tipo II e em denteado 12 ½, um em papel
costelado (frente) e os restantes em papel liso, correspondente ao triplo porte
interno (75 réis) para uma carta com peso compreendido entre 21 e 30gramas.
de 25 réis (CE 40), todos eles do tipo II e em denteado 12 ½, um em papel
costelado (frente) e os restantes em papel liso, correspondente ao triplo porte
interno (75 réis) para uma carta com peso compreendido entre 21 e 30gramas.
Creio, também, que o "novo papel" seria o costelado. Estranho é que Armando Vieira não conhecesse peças antes de Junho de 1872. Seria ténue o canelado? Estaria este presente apenas no verso dos selos? Certo, certo, é que o papel costelado foi utilizado em várias tiragens. A prová-lo temos, por exemplo, os sete tipos (cunhos) referenciados em selos da taxa de 25 réis.
Tendo presente peças da minha colecção e o recenseamento de outras observadas em catálogos de leilões, exposições e de outras origens, há grande probabilidade que a Casa da Moeda tenha utilizado este papel em Março de 1871 até finais de 1874. Não se conhecem exemplares em denteado 13½ pois a máquina nesta medida só começou a funcionar em Janeiro de 1875.
Denteado 14
A utilização da máquina de dentear na medida 14 é, para mim, um dos grandes mistérios da filatelia clássica e, quiçá, jamais teremos certezas sobre as peripécias que levaram à escassa utilização desta ferramenta. As dúvidas subsistem e há elementos imponderáveis que dificultam qualquer opinião conclusiva. Senão vejamos:
As duas primeiras máquinas destinadas à perfuração dos selos postais portugueses (tipo grade, denteado 12½) foram adquiridas à firma londrina Joseph Fenn e à bruxelense Gouweloos Frères, em Fevereiro de 1866 e princípios de 1867, respectivamente. Devido ao aumento do tráfego postal e à usura das ferramentas de perfurar, para acautelar previsíveis sobressaltos, em 4 de Janeiro de 1872, o Director da Casa da Moeda enviou um interessante ofício ao Director dos Correios:
"Existem n’esta casa duas machinas destinadas ao serviço de picar os sellos de franquia, mas estou receoso de que, no caso de uma d’ellas ter um desarranjo qualquer, a outra não possa dar vasão ao trabalho, e porisso julgo do meu dever ponderar a V.Exaª que há grande conveniencia e necessidade de fazer acquisição de mais uma das referidas machinas, e lembrar que em vista das repetidas queixas do publico, que reconhece não ser o picotado actuallmente em uzo tão vantajoso como o que se encontra nos sellos postaes dos outros paizes, será também conveniente que a nova machina produzisse um picado bem miudo e fossem n’esse sentido reformadas as chapas das duas a que primeiro me referi."
A solicitação foi parcialmente satisfeita. Com efeito, em 18 de Julho de 1872 a Casa da Moeda recebeu três peças interiores com destino a uma das máquinas, as quais tinham sido reproduzidas de modelos em madeira enviados cinco meses antes à Direcção dos Correios. Por exclusão e lógica, esta nova grade perfurou na medida 14, pois como já se disse, não existem selos/peças em denteado 13½ antes de Janeiro de 1875, data em que foi adquirida à casa Respaldiza, de Bruxelas. Por explicar está a inexistência do denteado 14 em peças circuladas em 1872 e 1873 e encontremo-lo apenas em 1874.
Na minha colecção tenho peças circuladas apenas neste ano, no período compreendido entre 21 de Fevereiro e 28 de Novembro – existirão porventura outras que dilatem este período.
Ereira / Cartaxo (27.11.1874) -> Lisboa (29.11.1874) -> Rio de Janeiro (24.12.1874)
Carta datada de Ereira, circulada do Cartaxo para o Rio de Janeiro, franqueada com selo de
50 réis (CE 41) do tipo I, em papel liso, denteado 12½ e outro de 100 réis (CE 43) do tipo I,
em papel liso, denteado 14, correspondente ao porte simples (150 réis) de uma carta com
peso até 10g com destino ao Brasil, transportada em paquete subsidiado.
50 réis (CE 41) do tipo I, em papel liso, denteado 12½ e outro de 100 réis (CE 43) do tipo I,
em papel liso, denteado 14, correspondente ao porte simples (150 réis) de uma carta com
peso até 10g com destino ao Brasil, transportada em paquete subsidiado.
Uma imperfeição da nova ferramenta de dentear e/ou a sua fragilidade resultante de cortantes de menor diâmetro poderá justificar a sua não utilização e, como alvitrou o Eng. Armando Vieira, optou-se pela utilização das ferramentas antigas reservando a nova para uma emergência. E é bem provável que assim fosse. Um episódio relatado pelo Prof. Oliveira Marques reforça essa ideia. Limito-me a citá-lo:
"Em Agosto de 1874, O Director da Casa da Moeda dirigiu um veemente apelo ao Director dos Correios, para que alguma coisa fosse feita a bem do material empregado na oficina do selo, por que a chapa de uma das máquinas de fazer picado (sic) saira imperfeita e, tendo-se partido uma das antigas, valera-lhe a habilidade de alguns operários que conseguiram apresentar uma, toda nova, feita na oficina."
Na prática, este apelo forçou e deu origem à aquisição da máquina 13½ vinda da Bélgica, tendo chegado a Lisboa a bordo do vapor "Dante", em 1 de Janeiro de 1875. Aparentemente, provocou a imediata e definitiva inactividade da grade em denteado 14.
Conclusão
Estas são, para já, os dados de que disponho e as inferências que retiro sobre tão nublado assunto. As nuvens dissipar-se-ão pouco a pouco com o revelar de novas fontes (oficiais e oficiosas) e/ou com um amplo apanhado de peças filatélicas.
Em relação à peça/variedade que deu origem a este singelo artigo, constatamos que o papel costelado e o denteado 14 estiveram activos e coexistiram (no espaço e tempo) o que, no meu ponto de vista, viabiliza a existência das peças apresentadas. Embora fugaz, inclino-me para uma utilização não fortuita e, será expectável que existam mais exemplares com estas características, nestas e noutras taxas.
Estou certo que os filatelistas farão o seu trabalho de reverem os seus selos/peças. Por sua parte, os responsáveis pela orientação técnica do catálogo especializado farão o seu, espero.
bibliografia:
• VIEIRA, Armando Mário O. (1983). Selos Clássicos de Relevo de Portugal. Porto: Núcleo Filatélico do Ateneu Comercial do Porto
• MARQUES, A. H. de Oliveira (1996), História do Selo Postal Português - volume II. 2a Edição, Lisboa: Planeta Editora
• Catálogo Afinsa 2010. Portugal/Açores/Madeira - 26ª edição
webgrafia:
• http://www.selos-postais.com/forum/
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