21 julho 2008

Selos Ceres: utilização não postal (1)



Tenho comigo estes "trocos"... 




A Filatelia é um dos termómetros da cultura de um país...
O selo postal é o espelho de um povo.


Por ter uma carga histórica muito forte e, suponho eu, desconhecida pela esmagadora maioria dos filatelistas, recorro a um artigo da autoria do Sr. Eng. Armando Vieira "SELO-MOEDA" Ceres para ajudar a compreender as razões da sua existência e dar a conhecer a difícil situação económica do nosso país nos alvores da 1ª República e da 1ª Grande Guerra:

      "Se durante os últimos tempos da monarquia, a situação do país não era de modo algum invejável, as vicissitudes dos primeiros anos do nosso regime republicano, em muito contribuíram para a agravar. Escassos 4 anos volvidos sobre a implantação da República, como se as dificuldades que sentíamos não fossem bastantes, deflagra na Europa a 1ª Grande Guerra. Embora Portugal não tivesse, logo desde o primeiro instante, tomado parte activa na contenda, o que é certo é que começou de imediato a sentir os efeitos da guerra, na sua já tão depauperada economia. Escasseavam os alimentos essenciais, havia falta de matérias primas, nomeadamente metais, e o mercado monetário internacional encontrava-se fortemente abalado. Eleva-se o valor do ouro e da prata. A inflação e a procura da moeda metálica generalizou-se. Havia entre nós quem trocasse notas do Banco de Portugal, por moeda de prata de valor nominal inferior a 10%. Claro que todos preferiam ao papel-moeda - que desvalorizava com a inflação -, a própria moeda metálica, que continha em si o valor material de que era feita. Por maiores esforços que os governos fizessem para evitar o seu açambarcamento, o facto é que a corrida se acentuava e a moeda desaparecia. Não havia em circulação quantidade suficiente de trocos. O vulgar cidadão, entretanto tinha necessidade de continuar a fazer as suas compras e os seus pagamentos do dia-a-dia. É assim que surgem algumas iniciativas tendentes a remediar a situação. Umas oficiais, outras de origem particular, estas, conforme os casos, consentidas ou reprimidas pelas autoridades competentes. Aparecem por exemplo as cédulas, que mais não foram que papel-moeda de baixo valor facial. Em Portugal, umas eram legalmente emitidas pela Casa da Moeda, outras provinham de entidades oficiais ou particulares, mas sempre devidamente autorizadas para o fazerem. Chegou-se ao ponto máximo de degradação ao fazerem-se circular rudimentares pedaços de papel ou cartão, simplesmente manuscritos. As Câmaras Municipais, para custearem os encargos de impressão das suas cédulas, recorriam por vezes à publicidade paga por firmas locais, ou então aproveitavam-nas para tornar conhecidos os encantos turísticos da região. Noutros países da Europa as coisas passavam-se de maneira idêntica. Alguns governos legalizaram a circulação de certos tipo de moeda fiduciária, dentre os quais o selo do Correio. De facto, a estampilha postal, devidamente emitida por uma Administração do Estado, de impressão barata, produzida em enormes quantidades e compreendendo ainda taxas baixas, constituía um esplêndido meio de, rapidamente, fazer face à falta de moeda divisionária. Só tinha um inconveniente: a sua fragilidade fazia com que se deteriorassem em pouco tempo. Para os conservar era necessário protegê-los em invólucros apropriados. Mas uma protecção custa dinheiro, sobretudo quando comparado com o baixo valor dos próprios selos que vai proteger. O problema veio a resolver-se porém com facilidade. O selo era encapsulado numa fina rodela de chapa metálica estampada e coberto por um material transparente. O custo do invólucro era suportado pelas receitas da publicidade, pagas por firmas que anunciavam os seus produtos ou serviços, em inscrições no verso destas "moedas". Assim se fez por exemplo na França, Bélgica e Alemanha. Aliás, o processo não era inédito. O selo postal-moeda, já tinha circulado nos EUA de forma semelhante, no período da Guerra da Sucessão. Em Portugal, tal procedimento nunca foi legalmente autorizado e, muito menos o governo o instituiu por sua própria iniciativa. No entanto, possuímos um curioso exemplar de 2 centavos Ceres da emissão de 1917-20. originário de uma casa bancária do Porto, que mostramos na figura junta. No verso da cápsula de folha onde está encerrado, lê-se em letras estampadas em relevo, a seguinte inscrição: "PINTO DA FONSECA & IRMÃO / BANQUEIROS / PORTO". O selo assenta numa cartolina esverdeada, e tem a sua face protegida por uma película transparente. Não temos dúvida que esta vulgar estampilha do Correio circulou, assim embalada, como moeda divisionária. Gostaríamos entretanto de conhecer outros exemplares de "selos-moeda", que certamente tiveram o seu curso em Portugal, naquela época. Por isso aqui deixamos estes breves apontamentos, na esperança de que alguns leitores atentos possam vir futuramente a divulgar mais casos desta interessante utilização dos selos postais."


      Com selos Ceres, para além de Pinto da Fonseca & Irmão, no Porto, existem também da firma Schneider et Cie, de Lisboa: "SCHNEIDER ET CIE / AÇOS / SPECIA, LDA / MAQUINAS / LISBOA - PRAÇA D. LUIZ, 9- SPECIA era o acrónimo da firma Société Portugaise d'Expansion Commerciale et Agricole. Tenho conhecimento que existem com os faciais de 1, 2, 5 e 10 ctv, selos cat. Afinsa Nr. 221, 223 252 e 215, respectivamente. Nas fichas da Schneider só são conhecidas com os valores de 1 e 2 centavos.

Embora tenham o seu lugar de destaque numa exposição filatélica (open class), creio que estas peças se encaixam melhor na área da numismática. Sendo uma afinidade da moeda, estas fichas são conhecidas por tésseras, e a tesserologia é a sua área de estudo e coleccionismo.



bibliografia:
- Revista FN, Nr. 12, Abril de 1982
- VIEIRA, Armando Mário O., Artigos Filatélicos Dispersos (1968-1988) – Volume I, Núcleo Filatélico do Ateneu Comercial do Porto, Porto, 2005
webgrafia:
-
http://www.selos-postais.com/
- http://www.forum-numismatica.com/



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